“Eles fazem a rádio, mas a rádio também faz muito por eles”
Fica num lugar impossível da Ajuda em Lisboa, no pátio dos Seabra, a rádio dos 88 ouvintes, sendo que metade também vão ao microfone. Acreditar é uma rádio interna feita por doentes mentais e para doentes mentais. É uma festa.
Em rádio há sempre imprevistos. Chegou a estar marcada uma entrevista ao Presidente da República neste mesmo estúdio da Acreditar, para celebrar o dia da rádio, mas a visita foi adiada. Só que a rádio não pára. Não pode.
“Este para cima… estes para baixo e pronto!” Carina Almeida dá o sinal de partida em mais uma emissão do programa Músicas do nosso Tempo. Ao lado tem Tomás Gusmão, o mais novo em estúdio. Só tem 18 anos e vontade de aprender rádio.
Tomás acompanha a música a tamborilar com os dedos na mesa, passa Mamma Mia, a música do filme. Carina, de 32 anos, levanta-se e começa a dançar. Explica que está a ensaiar uma coreografia para um espetáculo com esta música.
Na sala ao lado temos as três locutoras do programa sénior. Têm quase todas dificuldade em expressar-se, a Ana que mal abre a boca; a Olga com tendência para “beijar” o microfone e a Rosa com um ar da mais pura alegria. Elas são as apresentadoras, mas também pedem músicas. Marco Paulo e Tonicha estão no top do dia, músicas do tempo delas.
Há 10 anos que os utentes do Centro de Atividades da Ajuda fazem isto. A Associação de Pais e Amigos do Cidadão Deficiente Mental aposta na rádio para animar os utentes, nesta altura oitenta e oito, mas também como terapia: “Eles fazem a rádio mas a rádio também faz muito por eles”, a psicóloga Marina Pousão faz parte da equipa e parece divertir-se tanto como os artistas de rádio, “a música faz bem, a todos, conversam, relaxam”.
Nestas rotinas também há ganhos cognitivos, de memória, trabalham a atenção. Já para não falar na postura e no sentido de ordem, que aqui ninguém interrompe o outro.
Só às vezes…”Boa tarde”, irrompe pelo estúdio a terapeuta ocupacional. É Isabel Almeida, “ainda venho a tempo?”.
As idades aqui valem pouco. Ana insiste que tem 23 anos, a psicólogo brica “sem IVA..não é Ana?”. Rosa, Rosinha como lhe chama a terapeuta, não contesta os 56 anos. Mas até gosta de ser tratada assim como uma menina. “Queres ouvir a Tonicha? O Zumba na Caneca?”. No rosto de Rosa reaparece a menina, começa a cantarolar com a música, o ritmo bate certinho. É sempre assim em todos os programas, conta a terapeuta, “não deixa o microfone sem ouvir a Tonicha”.
Fonte: TSF